segunda-feira, 19 de março de 2012

Impertinência

Alzinda Reis encontrava-se na sala de espera do hospital. Apesar dos seus 50 anos, exibia uma frescura característica de 30. O cabeleireiro era a sua segunda casa e não havia um único dia em que ela ousasse ter um cabelo fora de sítio. À sua frente passou uma jovem que não devia ter mais de 20 anos.

Era esguia como uma enguia e apresentava um ar despreocupado que assumia um significado maior ao repararmos nos 7 piercings espalhados pela cara e nas 3 tatuagens que pareciam teimar em saltar-lhe do braço. Parecia atrasada para algo e, sem parar a correria, entrou pelo interior do hospital como se este lhe pertencesse. Que impertinência! – pensou Alzinda.

Durante as restantes horas não conseguiu parar de tecer criticas à jovem que vira passar e de, inclusive, pensar num saco de roupa usada que tinha lá por casa e que havia amontoado para dar aos pobres. Imaginou como uma ou outra peça poderia milagrosamente tapar as tatuagens horríveis da jovem e claro, dar-lhe um ar mais limpo.

Enquanto isto, o megafone da sala de espera assumia uma voz rouca que, vagarosamente, ia chamando os pacientes para o interior do consultório. Alzinda, que já ali padecia há cerca de 3 horas e já mal se lembrava do que ali fora fazer, ouviu soar (finalmente ) o seu nome.

Já no corredor, uma das enfermeiras indicou-lhe o caminho até ao consultório e qual o seu espanto quando, ao entrar, se depara com a jovem que outrora passou por si numa correria desmedida. O seu ar de confusão foi tal que, se não fosse o pormenor de ter o cabelo impecavelmente no sitio, com certeza lhe teriam saltado um ou outro do travessão e ficado tão hirtos quanto ela.

Não se sabe ao certo o que se passou no interior do consultório mas consta-se que assim que Alzinda percebeu que a jovem a quem outrora teceu críticas seria a sua médica, saiu tão corada como uma maçã da toscana e, sem emitir uma única palavra, desapareceu do mesmo sem deixar rasto. Terá ficado a jovem médica a pensar: “Que impertinência?”.